Parece que a chuva resolveu dar-nos um descanso. O sol começou a espreitar e a neura que resulta dos dias cinzentos, começou a desvanecer-se. Em grande parte, não passamos de simples bichos respondendo fisicamente aos estímulos da natureza.
Bom, mas vamos adiante. Tanto barulho que se levantou acerca das Festas e agora é vê-los e vê-las todos enfunados, de velas soltas, empenhados em cortar arames, torcer papéis, pedir e trocar moldes, escolher cores... enfim, está tudo embrenhado na tarefa. Esperemos que, mais uma vez, se verifique a razão do dito que diz que elas se fazem quando o povo as quer. Mau seria que assim não fosse, porque as tradições são como quase todas as coisas. Custam mais a afirmar-se do que a desaparecer. Esperemos que a tradição se mantenha. É bom para todos e é bom para esta comunidade a que pertencemos e que se chama Campo Maior.
Lá se foi o entrudo e, para grande decepção de alguns, aí estamos de novo na constante rotina que é a vida de todos os dias. Uns fingiram alegria. Outros respiram de alívio por não apreciarem um tempo que, quer queiramos quer não, tem aspectos bastante desagradáveis.
De qualquer modo, aí voltamos à nossa vida e dela faz parte este sorumbático sentimento de crise que não podemos deixar de sentir. Foram muitos anos de desregramento e muito vai custar até que nos acomodemos a uma nova maneira de viver. Porque, não nos iludamos, as coisas não poderiam continuar como estavam.
E bem certo que a crise foi desencadeada por factores externos que, no fundo, se resumem na tremenda acção especulativa gerada pelo grande capital que deixou de ser reprodutivo para se tornar apenas desenfreadamente acumulativo. A economia deu lugar à mais desenfreada procura do lucro com o mínimo de risco possível. Não se investe. Aposta-se. E, aposta-se com batota, se tal for possível.
Muitas maneiras foram usadas para conseguir levar as pessoas a consumirem aquilo de que, efectivamente, pouco precisavam e, sobretudo, consumirem mais do que aquilo que podiam pagar. É um facto que mais tarde ou mais cedo isto conduzia à ruína dos que se deixavam encantar com os cantos de sereia que as instituições financeiras, com os bancos à cabeça, não paravam de debitar através de hábeis campanhas publicitárias.
Todos clamam agora que ganham pouco e é verdade que há muitos que estão sem ganhar ou a ganhar muito mal. Mas, verdade seja dita, que, alguns dos que não reduziram os seus rendimentos, não deixam de estar "à rasca" porque juros e amortizações lhes comem grande parte desses rendimentos. Ou seja, o "tenha agora e pague depois" arrastou muita gente para a situação aflitiva em que se encontram agora.
Temos, todo nós, de voltar a pensar seriamente nas voltas que devemos dar às nossas vidas. Porque, viver sem pensar nunca foi uma boa maneira de viver.
Ainda não me recompus completamente do enregelamento que apanhei, ontem, naquela esquina, para ver passar os foliões no desfile de Carnaval. De repente, uma chuva batida pelo vento frio, começou a flagelar quer quem se dispunha a assistir, quer quem estava a desfilar. Só a minha teimosia e a grande curiosidade me impediram de fazer o que outros fizeram: bater em retirada e ir abrigar-me no aconchego da casa.
Má sorte esta de se estar a preparar durante tanto tempo uma coisa assim e depois termos como resultado aquilo que aconteceu.
Confesso que vi mal e pouco e, por isso, tenho alguma dificuldade em emitir opinião sobre aquilo que fui ali para ver mas que, afinal, devido às condições, não consegui apreciar na totalidade. O cortejo foi de tal modo acelerado pelas más condições, que os diferentes elementos que o compunham mais pareciam desejar que tudo aquilo acabasse o mais depressa possível, do que estarem verdadeiramente a divertir-se ou dispostos a grandes animações. Naquelas condições era difícil fazer melhor.
Enfim, lamento por mim e por aqueles que se empenharam tanto nesta realização. Dadas estas contingências, é caso para reflectir sobre se vale a pena tanto esforço e investimento em eventos deste tipo.
Quer queiramos quer não, o tema mais recorrente das conversas que, neste momento, se ouvem por toda a vila, é sem dúvida o das Festas do Povo. Confesso que não é coisa que me entusiasme por aí além. Defeito meu, certamente. Mas, que querem? Não há meio de me convencer a mim mesmo de que este será o melhor momento para tomar tal decisão. No fundo, até gostaria de não ter razão. Mas penso que nada se perderia se se fosse organizada com mais tempo e em maior segurança a sua realização.
Contudo, a decisão está tomada. Visto isto, não há mais nada a fazer do que formular o desejo de que se venham a fazer as Festas em condições tais que elas não sejam motivo nem de desencantos, nem de censuras. No fundo, todos nós, os de Campo Maior, devemos ter o desejo de que tudo corra pelo melhor. Qualquer desaire que possa vir a acontecer, afectará esta comunidade. Ora, ninguém de boa-fé estará a desejar que tal aconteça.
Para o mal e para o bem, todos estamos de algum modo envolvidos nisto.