domingo, 20 de outubro de 2013

O QUE OS OUTROS ESCREVEM ...

A entrevista que faltava, sem excluir as futuras

Ufa! Com prazer o digo. Finalmente uma entrevista séria, com interesse e informativa. A mediocridade da nossa atual liderança política laranja e dos economistas que os apoiam faz-nos ter saudades de um homem político com conteúdo e interesse. A conversa de José Sócrates com Clara Ferreira Alves hoje transcrita no Expresso é esclarecedora e, já agora, muito boa para esfregar na cara de centenas de ranhosos. É um Sócrates descontraído e liberto dos constrangimentos de um cargo político, que, umas vezes indiretamente pelas palavras da própria entrevistadora, outras em discurso direto e frontal, levanta mais algumas pontas do véu sobre o mais repugnante combate político da nossa história contemporânea, protagonizado por um bando de assaltantes enraivecidos e atiradores sem escrúpulos contra um primeiro-ministro. A reposição de alguns factos através da televisão foi importante, mas não teve o detalhe de uma entrevista a um jornal. São de facto abordados, e com extrema simplicidade desmontados, os mais duros momentos do seu percurso pessoal como primeiro-ministro. Terá alguma vez justificação tamanha agressividade? Pela mão da direita mais abjeta e muitas vezes com a cumplicidade ou o silêncio da esquerda radical, o país alucinou.
A dureza daquele período decorreu de uma situação externa inédita – uma crise financeira que nos apanhou no clube da moeda única -, mas sobretudo dos ataques internos e ad hominem contra Sócrates. Mas o entrevistado não assume o papel de vítima nem é por considerá-lo como tal que aqui exprimo o meu agrado pelas considerações político-filosóficas por ele tecidas e pelos seus esclarecimentos. Evidentemente que tem razões de queixa e, a propósito, chama nomes a algumas criaturas, porque legitimamente o enfurecem. Mas basta ver o estado do país. São totalmente merecidos. De resto, lucidez, convicções, intransigência de princípios e vontade de agir continuam a não lhe faltar. Não compreenderei, cem anos que viva, como pôde o país dar-se ao luxo de dispensar este homem.
Diz-nos que foi um erro ter decidido governar sem maioria naqueles agitados anos que se seguiram ao eclodir da crise financeira internacional. Visto à distância, parece claro. Mas a questão é se poderia não o ter feito. Depois de campanhas e campanhas contra a sua pessoa (incluindo conspirações urdidas em Belém), das quais aliás, passados estes anos, ainda perduram fortes ecos, poderia ter ignorado e desbaratado uma vitória eleitoral? Foi apenas humano não o ter feito. Entretanto revela que a crise das transferências de verbas para a Madeira esteve muito perto de provocar a demissão do Governo (a meu ver, já antes a discussão sobre a carreira docente poderia ter sido um bom motivo para bater com a porta). Não o fez e as circunstâncias inéditas a nível europeu devem tê-lo justificado. Mas se o tivesse feito, ficaria provado para todo o sempre como mentem os aldrabões que a toda a hora o acusam de não ter querido cortar a despesa, de ter mesmo entrado num desvario despesista (dando a entender que eles, sim, queriam cortes, o que é uma rotunda mentira). E ficariam com isso impedidos de mentir como fazem agora apostando na curta memória dos portugueses e concentrando os ofuscantes focos no dramático pedido de ajuda externa. Foi essa a pena. Mas, homem, o combate para evitar esta tragédia em infinitos atos que é a Troika foi teu.
Aspirina B

Sem comentários:

Enviar um comentário