Miguel Sousa Tavares
A mim pouco me importa quem cedeu
ou quem impôs na questão de fundo que se refere às pensões e aos salários dos
funcionários do Estado.
A mim o que mais me incomoda é ver
como princípios fundamentais são ignorados, atropelados e modificados com o
maior descaramento e com tão grande falta de vergonha.
Então, os que durante uma vida confiaram
que trabalhavam para uma entidade que julgavam acima de qualquer suspeita,
constatam agora que estão a lidar com gente que não olha a meios para atingir
os sórdidos objectivos ditados pelas suas alucinadas convicções?
Que é feito do Estado “pessoa de
bem” em que todos descansavam a ponto de lhes confiarem parte do que ganhavam,
na presunção de que estavam assim a acautelar os dias da velhice em que já não
poderiam, nem deveriam trabalhar?
Que me importa que haja um Portas
que afirma não consentir ou um Passos que sem afirmar vai fazendo e impondo o que
muito bem entende sem pensar, um segundo que seja, nos danos irreparáveis que
as suas acções vão provocar?
Francamente! Estes governantes,
que temos consentido que nos desgovernem, parecem rapazinhos inconscientes a
disputarem um qualquer jogo de computador obcecados na sede de o ganharem. O
problema é que o jogo destes desmiolados é vida real de todos nós.
Talvez esta maneira de ver as
coisas pareça muito exagerada. Mas não será que as coisas são tão loucas que
não podem ser consideradas segundo um modo normal e só as podemos entender como
este absurdo em que as nossas vidas se estão a transformar?
O que eu sinto pessoalmente é que
tenho sido obrigado a confiar no Estado e agora constato que se quebrou a
confiança que nele depositei e que ele se tornou uma ameaça para a minha vida futura.
E mais: tenho consciência plena de que, no meio desta tragédia, ainda sou dos
menos ameaçados.
E agora vou fazer o quê? Processar
o Estado que me está a vigarizar? Queixar-me como? E a quem?
E sabem o que mais me revolta no
meio de tudo isto? É constatar que ainda há tantos que continuam a pensar que
esta gente está a fazer tudo isto, porque esta é a única maneira de nos
salvarmos. Mas, afinal, para nos salvarmos de quê?