A Igreja, tal como a conhecemos hoje, é o produto de uma evolução que começou há mais de dois mil anos.
Na fase inicial, nas suas origens, começou por ser uma seita dissidente do judaísmo, gerada a partir da pregação de Cristo, assimilada e disseminada pelos seus fiéis companheiros e seguidores: os apóstolos.
Nascida com uma vocação ecuménica, ou seja, universal, tendo como destinatários todos os povos, todas as regiões e todas as culturas, rompeu desde logo com o conceito de povo eleito, princípio estruturante do judaísmo e lançou-se na doutrinação, começando a expandir-se pelas terras em volta do Mediterrâneo.
Esta fase apostólica foi a base da Igreja Militante, a dos mártires e santos que lançaram os alicerces e as paredes mestras da nova igreja.
Mas, os poderosos que inicialmente perseguiram e reprimiram os cristãos, acabaram por perceber que o cristianismo não se extinguia pela brutalidade, pois que, quanto mais o perseguiam, mais ele se afirmava. Numa civilização que se afundava na decadência dos costumes, na brutalidade e na corrupção desenfreada dos comportamentos, o martírio era a prova maior da autenticidade da fé e da crença pregada pelos cristãos.
Como em todos os tempos e situações, os prepotentes e poderosos, acabaram por compreender que, não os podendo eliminar nem submeter, se deviam juntar aos cristãos para melhor poderem controlar a influência de que estes dispunham junto das populações.
Começou assim, lentamente, um processo de grande transformação em que, à Igreja Militante, se foi sucedendo uma outra forma de institucionalizar o cristianismo que acabou por resultar na construção da Igreja Triunfante, ou seja, uma igreja que tinha do seu lado e integrava os poderes políticos que dominavam as sociedades humanas. Os reis e todos os tipos de poderosos cuidaram de sacralizar o poder que detinham, tornando-se, primeiro os protectores e depois os principais controladores da própria Igreja.
Da degradação doutrinal e comportamental que daí resultou, começaram a surgir as contestações que levaram às heresias, aos cismas e às tentativas de restauração da pureza primitiva da fé cristã de que foram exemplos S. Domingos e S. Francisco de Assis, em plena Idade Média.
Na passagem do período medieval à Idade Moderna, a situação tinha-se agravado de tal modo que culminou numa divisão do cristianismo que, começando na Europa, iria ter repercussões por todo o mundo.
Nesta nova fase, os cristãos envolveram-se em guerras e em perseguições inquisitoriais para afirmarem dogmatismos que já nada tinham a ver com a fé, o despojamento e a caridade, princípios básicos do cristianismo, para dar lugar à intrnsigência, ao proselitismo e ao recurso à violência.
De ambos os lados, os dois blocos foram cavando a irremediável divisão do cristianismo. Uns baseados nas preocupações de Lutero, Calvino e outros reformadores, outros respondendo com a intransigência e o repúdio imposto pelo centralismo dogmático de Roma.
Gerou-se assim, uma nova fase: a da Igreja Dividida pela Reforma e pela Contra-Reforma .
Ora, como a divisão nunca traz a consolidação porque enfraquece, assim começou uma fase de declínio que se tem prolongado até aos dias de hoje.
Parece que a consciência deste acentuado declínio começa a ser dominante nos mais altos representantes das igrejas. Assim sendo, Francisco (1), o nome escolhido pelo novo Papa, pretende significar, simbolicamente, o desejo de restauração de uma fé que se terá afastado dos seus princípios genéticos, para se cristalizar em atitudes, compromissos e comportamentos que pouco terão, de facto, a ver com uma verdadeira doutrina de Cristo.
Esperemos que esta Páscoa que agora se celebrou, possa voltar a significar aquilo que foi na sua origem:
A celebração de uma Ressurreição.
(1) Segundo a tradição, Cristo teria aparecido a S. Francisco e ter-lhe-ia feito o seguinte apelo:
Francisco, a minha casa está em ruínas; repara-a para mim.
São Francisco de Assis, assim chamado por ser natural da cidade italiana de Assis, onde nasceu em 1182. Filho de um rico comerciante, ainda muito jovem abandonou o bem-estar da família em que nascera para seguir o exemplo de Cristo, dedicando-se à oração, à pregação da humildade, da caridade e do apoio aos necessitados. Foi o fundador da Ordem dos Franciscanos. É considerado o santo da paz, dos pobres, dos animais e da natureza. Morreu em 1226 e foi canonizado dois anos depois da sua morte.