quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Da ciclicidade da vida

"Nós estamos num estado comparável somente à Grécia: mesma pobreza, mesma indignidade política, mesma trapalhada económica, mesmo abaixamento dos caracteres, mesma decadência de espírito", escreveu Eça de Queiroz nas "Farpas", em 1872.

Lida assim, descontextualizada, a frase de Eça faz-nos pensar se a História não será um eterno retorno, de tal modo determinadas situações e assemelham. 
Bem vistas as coisas há uma certa verdade nessa aparente repetição. De facto, as sociedades humanas não se desenvolvem linearmente  e muito menos em círculos fechados, voltando constantemente ao ponto de partida. O mais apropriado será pensarmos que a evolução, sendo contínua, se desenvolve espiralmente. Ou seja, tudo começa por uma fase de crescimento até atingir um ponto máximo, a partir do qual começa a declinar até ao seu desaparecimento. Mas o que parece o fim, é também o recomeço de um novo ciclo. 
O problema é que os fins de ciclos são tremendamente trágicos e dolorosos para alguns dos que têm de os viver.
Em tudo o que faz, o homem deixa a marca fundamental das sua existência: nascer; crescer; declinar; morrer.
A esperança consiste em perceber que se cada um de nós está condenado a desaparecer, os que se nos seguem poderão ter um viver cada vez melhor. Ora, o grande problema é conseguir acreditar nisso quando se está a viver um fim de ciclo como aquele em que nos encontramos nos tempos que correm. 

domingo, 23 de outubro de 2011

Para onde nos estão a empurrar?

Não são os rebeldes que causam os problemas do mundo; os problemas é que fazem que haja rebeldes.
Carl Oglesby  (1935-2011) - escritor e activista político norte-americano.

Os vícios que se foram instalando no nosso sistema, no que respeita a relações laborais, só podem ser ignorados pelos que, tomados de sindicalite aguda, se mostram cegos e surdos a qualquer tipo de razões. Ora, há coisas que precisam de ser remediadas para resolver a situação de crise em que vivemos e, por isso terão de ser consideradas certas concessões para que possam ser resolvidas algumas questões.
Por outro lado, uma certa classe política procura sempre agir em conformidade com os interesses de grande parte dum patronato, que é ganancioso, mal preparado, de ideias obtusas e incapaz de prever os efeitos nocivos de certas atitudes extremas.
Nestas circunstâncias, cabe ao Estado ter a prudência de ponderar cuidadosamente, quando se trata de legislar sobre estas questões e o governo deve agir de forma a encontrar os equilíbrios possíveis para evitar que se gerem ou agravem os problemas sociais.
Ora bem: O que é que se está a passar no que respeita às propostas enunciadas por este governo?
Baseado num modelo económico que defende que a competitividade da economia se consegue através da desvalorização dos custos da força de trabalho, preconiza cortes salariais, facilita os despedimentos, favorecendo que eles possam acontecer bastando invocar a baixa produtividade dos trabalhadores.
Não será de prever que tanta liberalização  implicará o risco de que se instalem procedimentos demasiado agressivos e arbitrários entre empregadores e empregados? Proprietários, gestores e encarregados intermédios, agora libertos da exigência de justificar o despedimento com justa causa, ficarão dotados de um poder praticamente discricionário para despedir os trabalhadores.
Garantem eles, os que acreditam no remédio miraculoso de tal receita, que Portugal será, em poucos anos, um país mais dinâmico e mais próspero porque mais competitivo.
Mas, pergunto eu: Será que um país tão flagelado pelo elevado desemprego, pelas pesadas cargas fiscais que já suporta e pela desesperança que vai invadindo o ânimo de grande massa da população, não irá soçobrar perante um processo de cura tão radical? E se, em vez da esperada conformação passiva, de repente tudo isto provocar uma reacção de incontrolável revolta?
Os modelos económicos, ao cabo e ao resto, não passam disso mesmo: são pressupostos teóricos a priori que muitas vezes não resultam. E não resultam porque no meio estão pessoas com as suas necessidades, os seus sentimentos e os seus desesperos que os levam a tomar atitudes de difícil previsão.
As pessoas até serão capazes de aceitar sacrifícios se estes lhes forem bem explicados em função de certas condições:
- Primeiramente, que eles são urgentes, inevitáveis e absolutamente necessários;
- Em segundo lugar, que os objectivos a alcançar estão clara e seguramente definidos;
- Em terceiro lugar, que eles foram definidos tendo em vista o bem comum e não o exclusivo benefício de alguns.
Será que estas condições estão a ser tomadas em consideração e estão claramente garantidas?


terça-feira, 18 de outubro de 2011

De que lado estamos?

Walter Scott, escritor inglês, criou a famosa figura do guerrilheiro, justiceiro e habilidoso archeiro, a que em Portugal chamamos Robin dos Bosques mas que o escritor inglês baptizou como Robin Hood (que significa Robin do Capuz, devido ao hábito que tinha de esconder o rosto e a sua identidade colocando sobre a cabeça um carapuço – hood – com que ocultava a cara).
Como muitas outras crianças e jovens, eu admirava aquela figura que enfrentava o tirânico xerife de Notthingam que, ao serviço de um rei usurpador, espoliava os pobres para favorecer os mais poderosos. Robin dos Bosques encarregava-se de combater os tiranos e repunha a justiça, apoderando-se dos bens dos poderosos que distribuía pelos pobres.
A história localizava-se na Inglaterra e na Idade Média. Mas todos nós entendíamos que aquela história era universal pois dizia respeito a todos os povos e a todos os tempos, pois sempre há os que usurpam, embora nem sempre haja um Robin que restabeleça atempadamente a necessária justiça.
Veio-me à memória esta história devido a uma metáfora utilizada pelo ex-presidente da República do Brasil, Lula da Silva, que esteve recentemente de visita a Portugal. Disse ele como receita segura para o sucesso económico:
Se deres um milhão a um rico, ele vai pô-lo numa conta “offshore” e, em seguida, desata a especular. Se o distribuíres por cem mil pobres, eles vão consumir e pôr a economia a funcionar.
Talvez haja muito a dizer desta proposta porque os dez euros que fossem distribuídos a cada pobre, torná-los-iam fracos consumidores. Mas há qualquer coisa de profunda intenção nesta metáfora e que me põe a pensar que há entre nós governantes que, na história do Robin dos Bosques, optaram por ficar do lado do xerife de Notthingam.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Como vai ser?

A natureza parece apostada em iludir-nos com este falso Verão com que, já fora do seu tempo, nos vai contemplando. Costuma dizer-se que depois da tempestade vem a bonança. Mas o que agora sentimos verdadeiramente é que, depois desta adormecente bonança, uma grande tempestade ameaça desabar sobre as nossas cabeças.
Não se trata de uma previsão porque, infelizmente, se trata de uma segura certeza. De uma maneira ou de outra, já cada um de nós percebeu de que dias difíceis se aproximam. E não se trata de nada que tenha a ver com o clima. Trata-se do rumo que tomaram as coisas essenciais à vida de todos nós.
Os que vieram de fora, como os da troika, avisam-nos. Depois de bem nos assustarem, arvoraram-se em juízes e puseram-se à espera que nos comportemos bem, para que tudo possa ser remediado. Como se eles próprios não pertencessem ao grupo dos que, de modo tão irresponsável, nos foram empurrando para o buraco em que nos encontramos.
Os de cá, como se não tivessem também grande parte das culpas, vão-nos revelando os buracos financeiros que não param de aparecer. Para completar o cenário, aquele louco a quem o povo da Madeira encarregou de, durante tanto tempo, os desgovernar, não desiste da sua patética mania de exibir as suas tristes e loucas palhaçadas. Esperem para ver quanto nos vai custar…
No meio de tudo isto, onde iremos buscar a esperança? Como encontrar forças para enfrentar tudo o que o futuro próximo nos reserva?
Andámos muito distraídos e deixámos que a ambição louca de alguns nos arrastasse para o quase abismo em que vivemos. Por facilitismo deixámos a nossa vida  entregue a incompetentes, escolhendo idiotas e palhaços disfarçados de políticos que transformaram tudo isto numa triste palhaçada.

sábado, 8 de outubro de 2011

A revolução necessária?

É urgente, é necessário e útil que comecemos a dizer uns aos outros determinadas verdades. Embora, bem vistas as coisas, elas não sejam surpresa para ninguém. Mas, convém dizê-las para que, tomando consciência delas, despertemos para a necessidade de termos uma noção cada vez mais nítida de quem são os verdadeiros responsáveis pela situação em que nos encontramos.
Todos nós pressentimos que por detrás desta tremenda crise económica está, desde há muito tempo, uma grave crise de princípios e uma total ausência de valores. Vivemos rodeados de indivíduos tão destituídos de escrúpulos quanto o que se têm beneficiado por recorrerem a todos os expedientes para obterem o mais rapidamente que podem os maiores benefícios.
Ao mais alto nível, o da alta política que se pratica nos organismos internacionais e nos altos cargos do Estado, até chegarmos ao mais baixo nível do poder local, encontramos gente que pratica acções de autêntico banditismo com a maior das impunidades, rindo-se de nós, os estúpidos honestos que marcamos passo enquanto eles sobem na vida em ritmo de marcha acelerada.
Dir-se-á: mas gente desta houve sempre, em todos os tempos e em todos os lugares. Sim, é verdade. Mas, agora tornaram-se tão descarados, tão atrevidos e tão dominantes que ameaçam sufocar-nos por completo.
Repare-se como, ao nível mais alto, os Estados tem de pagar juros incríveis para acudir às mais urgentes necessidades das suas populações, conduzindo os países a níveis de endividamento que os levam a perder toda a liberdade de decisão, destituindo-os completamente da sua autonomia. E como, ao nível local, vemos indivíduos enriquecerem rapidamente, à custa de cumplicidades e compadrios que minam completamente o exercício da administração do bem público.
Por isso é que alguns políticos honestos começaram a clamar pela necessidade de uma nova revolução. Mas não por uma revolução que consista na luta armada. Antes por uma revolução das mentalidades que nos torne mais conscientes dos nossos direitos e mais responsáveis perante os nossos deveres.
Esta não é uma revolução de ideologias ou de partidos, mas a revolução  que cada um tem de fazer dentro de si mesmo para ganhar uma nova consciência e uma nova atitude perante esta vida sem horizonte e sem futuro para onde nos andam a arrastar.

Tudo tem o seu tempo e a sua razão de ser. Passou a época do derrube tradicional dos regimes. Hoje é tudo mais subterrâneo. O que não deixa de ser uma contradição curiosa: ao mesmo tempo em que a circulação corre a grande velocidade, há correntes submarinas de que não nos damos conta, nas quais tudo se decide. A transformação, qualquer que seja, é sempre lenta.
Jornal de Notícias, Porto, 27 de Março de 2004
In José Saramago nas Suas Palavras

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Politicamente pensando…

Agora que já vão passados bastantes dias sobre o congresso do maior partido português na oposição, podemos talvez, sem sectarismo, nem dramatizações, mas com serenidade, reflectir sobre o que nele se passou.
Desde há muito é visível que no PS, tal como os outros grandes partidos portugueses, uma massa de militantes que, tal como os crentes de muita fé e pouco discernimento, não têm nem capacidade, nem ideias, nem ideologia, apoiando seja o que for desde que seja o partido a propor, convive com as minorias dos que pensam, estruturam, programam e decidem. Estes são a alma, que dá vida. Aqueles apenas os figurantes que assistem no cenário onde se desenrolam as acções. Esta é a verdadeira contradição dos chamados partidos de massas e a principal razão das fragilidades das democracias.
Em síntese, assistimos neste congresso do PS, ao confronto entre duas facções: uma liderada por António José Seguro; outra por Francisco Assis.
Deixemos de parte a ideia simplista de considerar que o que os dividia era a intenção de Seguro romper com o "socratismo", enquanto Assis se posicionava como seu apoiante e continuador.
O que esteve em jogo neste congresso foi algo que se consubstanciou nas ideias-força que ambos apresentaram: Seguro apresentou-se como decidido e intransigente defensor do Estado Social; Assis como um entusiasta da modernidade no pensamento e na acção para resolver os problemas da sociedade actual. Portanto, um afirmou-se na defesa de um modelo, outro na necessidade de modernizar esse modelo. Os militantes deram o seu apoio maioritário ao primeiro, na proporção de uma maioria de 75%.
No fim, democraticamente, todos se contentaram em nome da necessária unidade. Mas, para além do folclore que todos os congressos implicam, haverá gente no PS capaz de pensar que o que mais importa não é optar entre a ânsia de modernização de um e as preocupações sociais de outro. Porque o que que importa é pensar, com a lucidez da modernidade, na forma de realizar um Estado Social adaptado à complexidade do mundo actual, antes que o egoísmo cego e a insensibilidade social do capitalismo direitista e neoliberal, arraste o mundo para uma catástrofe.
Esperemos que a declaração de disponibilidade total com que Assis premiou o discurso de Seguro e o apertado abraço com que este agradeceu, tenham tido exactamente este significado. Só assim fará sentido afirmar que se pretende manter a pluralidade das opiniões na unidade da acção.

Nota: Não sou militante do PS. Sou apenas um convicto apoiante de uma democracia empenhada na resolução dos problemas sociais e um opositor combatente de todos os oportunismo políticos e de todas as tiranias. De certo modo, o mesmo que escrevi sobre o PS, gostaria de o poder escrever sobre o PSD, por exemplo. Mas, neste momento, sei que não devo, nem quero, logo, não posso.
 Já agora, deixem-me apenas manifestar a minha estranheza pelas hesitações e silêncios do actual governo e do Sr. P.R. perante os dislates daquele louco clown  que desgoverna na Madeira.