O
que é que isso interessa? Não sai no exame.
Num país com baixos índices de
escolarização e altos níveis de iliteracia, os pais tendem a confundir a
preparação, a cultura e o conhecimento dos seus filhos com as notas que eles
têm em exames. Este "conhecidómetro" instantâneo transformou-se
no alfa e no ómega do nosso sistema educativo. Pouco interessa o que realmente
se aprende na escola e qual a utilidade do que se aprende para o
desenvolvimento intelectual, cultural, técnico e emocional (desculpem,
"emocional" não, que é "eduquês") da criança (desculpem,
"criança" não, que é "piegas") e do adolescente. A escola
tem apenas uma função: preparar para os exames.
Um pai um pouco mais exigente, que
tente acompanhar os estudos do seu filho, depara-se sempre com a mesma
avassaladora e pragmática resposta: "pai, isso não me interessa, não
sai no teste"; "mãe, não é assim que está no livro". A nossa
escola promove duas coisas: a completa ausência de sentido crítico e a
capacidade de memorização. Não desprezo a segunda, muitíssimo longe
disso. Mas, se não me levarem a mal, não chega.
Na escola portuguesa também se
despreza cada vez mais a capacidade de desenvolver projetos, em grupo ou
individualmente, promove-se pouco o desejo de ir mais longe do que é
debitado nas aulas e dá-se muito pouco valor à expressão oral.
Depois de centenas de exames, um aluno com excelentes notas pode acabar a
escola sem saber desenvolver oralmente uma ideia e sem conseguir argumentar num
debate. Porque o essencial da avaliação é feita através de provas escritas,
sem consulta, e iguais para todos.
Compreende-se esta opção: é aquela
que melhor serve o raciocínio do burocrata. E para o burocrata a exigência não
se mede por o gosto por aprender (ui, o que eu fui escrever!) e pelo
desenvolvimento de capacidades que são forçosamente diferentes, de pessoa para
pessoa. O burocrata abomina, pela sua natureza, as variações que lhe
estragam os gráficos.
Os testes e exames não servem para
avaliar o que se aprendeu nas aulas e fora delas, as aulas é que servem para os
alunos se prepararem para os testes e exames. E avaliados de uma forma que,
com raríssimas exceções, nunca mais vão voltar a experimentar na sua vida.
Nunca mais, em toda a minha vida, me tive de sentar numa secretária e despejar
por escrito o que, como a esmagadora maioria dos alunos, tinha decorado uns
dias antes.
O ministro Nuno Crato passa
por um reformador. Porque alguém meteu na cabeça das pessoas que há uma
qualquer relação entre a "escola moderna" (um movimento pedagógico
considerado libertário) e as práticas e teorias em vigor nas escolas públicas e
no Ministério da Educação. Na realidade, a escola sonhada por Nuno Crato é
muito próxima da escola que realmente temos. Ele apenas decidiu agravar todos
os seus vícios: a "examinite" aguda, o domínio absoluto do que a
gíria estudantil chama de "encornanço" e o predomínio burocrático da
avaliação como princípio e fim das funções do ensino. Lamentavelmente, como
poderemos ver comparando o nosso sistema educativo com os melhores da Europa - o
finlandês, por exemplo, que tem os melhores resultados no mundo apenas tem, que
eu saiba, um exame no fim do ensino secundário -, este sistema não prepara
profissionais competentes, pessoas interessadas e cidadãos conscientes. Este
sistema burocrático, pensado por burocratas, apenas forma excelentes
burocratas.
Nuno Crato já tinha criado os exames
no final do 2º ciclo e, absoluta originalidade em toda a Europa, no
final do 1º ciclo. Promete agora a introdução de mais exames nacionais,
no final de cada ciclo, em mais disciplinas. Não tenho a menor dúvida que a
medida é popular. Popular entre muitos pais, que podem ver as
capacidades dos seus filhos traduzidas em números, sem terem de acompanhar o
que eles realmente sabem. Popular entre muitos professores com menos imaginação
que têm assim metas bem definidas, sem a maçada de trabalhar com a
singularidade de cada aluno.
A escola, como uma fábrica de
salsichas, é o sonho do ministro contabilista, do professor sem vocação e do
pai sem paciência. Não vale a pena é enganar as pessoas: não se traduz em
qualquer tipo de "exigência" (uma palavra com poderes mágicos, capaz
de, só por ser dita, transformar a EB 2 3 de Alguidares de Baixo no Winchester
College) nem em mais qualificação profissional e humana dos jovens portugueses.
Os países que conseguiram dar à Escola Pública essa capacidade seguiram o
caminho oposto. Aquele que Nuno Crato abomina.
Daniel Oliveira , in: expresso. pt - 20 de Junho de 2012
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