A embaixada inútil
Por Baptista-Bastos
DE VIAGEM por Cabo Verde, aonde foi com uma luzida corte de parceiros de
Governo, o dr. Passos Coelho passeou, durante quinze minutos, pelas ruas
do Mindelo. Conversou animadamente com a população, afagou uns meninos e
ficou todo contente quando uma miúda, a uma pergunta sua, disse-lhe o
nome. Pedro, é isso mesmo. Rejubilou. Foi quando um jornalista,
candidamente, o interrogou sobre há quanto tempo não fazia o mesmo em
Portugal. Momento embaraçoso por um lado, e patético por outro. O pobre
Passos, sem pudor nem escrúpulo por atropelar a verdade, retorquiu: mas
eu ando sempre na rua, com uns e com outros. Uns e outros devem ser os
batalhões de guarda-costas, que o seguem diligentes e, amiúde,
particularmente agressivos.
O homem não tem emenda e, além de
estar a milhas para servir de exemplo a coisa alguma, é o responsável do
nosso infortúnio. Foi a Cabo Verde em negócios, como vai sendo comum.
Aquele país, povoado por gente admirável, é um alfobre de cultura, que
produziu gente como Baltazar Lopes, Ovídio Martins, Arnaldo França,
Corsino Fortes, Manuel Lopes, ou o Manuel Ferreira, de Hora di Bai, e
desse extraordinário Voz de Prisão. Uma terra que tem gerado grandes
músicos e grandes cantores - não mereceu, nesse aspecto, aos nossos
governantes, uma atenção especial e devida. É pena. Os laços culturais
entre os dois povos estabeleceram-se numa relação de que o Brasil foi
intermediário. O movimento "claridoso", reunido em torno da revista
Claridade, reencarnou-se nas experiências de Jorge Amado e de Graciliano
Ramos, mas, também, no neo-realismo português. Nomes como Mário
Dionísio, Joaquim Namorado, Redol, Manuel da Fonseca e Carlos de
Oliveira eram, e são, conhecidos no mundo cultural caboverdeano.
Creio
que Pedro Passos Coelho transporta, neste capítulo, uma ignorância
comovente. E se, com o vistoso grupo de companheiros de Governo, tivesse
levado na viagem dois ou três escritores, dois ou três músicos, a
campanha teria outro luzimento e objectivos mais sólidos.
Infelizmente,
porém, o primeiro-ministro é mais propenso aos números do que aos
enfados do conhecimento geral. De contrário, saberia que a identidade
social, moral, ética e estética de Cabo Verde tem mais a ver com a
consistência cultural do que com a incerteza e a fluidez da economia.
Houve políticos portugueses, como Soares ou Sampaio, que entenderam as
diferenças fundamentais. Mas o triste advento do dr. Cavaco alterou o
fio condutor dessa experiência. Uma interrupção de dez anos, que
correspondem à década durante a qual o algarvio foi primeiro-ministro
foi, demonstradamente, calamitosa. E nem Guterres nem Durão Barroso,
homens medianamente lidos, colmataram o vazio pesaroso e dramático. Esta
memória para dizer que a embaixada a Cabo Verde foi supérflua, e apenas
serviu para Passos passear sem gorilas.
Sem comentários:
Enviar um comentário