por Daniel Oliveira
O jornal "A Região" contava, em 1997, já lá vão 15
anos, as aventuras e desventuras de um deputado de Santarém. O rapaz tinha
um currículo partidário imaculado na sua passagem por concelhias, distritais,
jota e outras estruturas partidárias que lhe iriam garantir a equivalência em
várias cadeiras na Universidade. Contava o jornal, e já tinha revelado o
"Templários", que o rapaz tinha o estranho hábito de viver em
várias moradas ao mesmo tempo. Nenhuma batia certo. Vivia em Lisboa, dizia a
lista telefónica. E vivia em Tomar, em três moradas diferentes, conforme aquilo
a que se candidatasse, dizia ele nos documentos oficiais.
A razão para a confusão de moradas é simples: dando uma das suas
várias supostas moradas de Tomar, e não aquela onde realmente vivia, em
Lisboa, poderia receber o subsídio de deslocação. A coisa saiu em todo o
lado, assim como o seu envolvimento, no final dos anos 80, no escândalo
das viagens fantasma. As malandrices de Relvas eram um segredo de
polichinelo.
Ninguém no PSD ignorava quem era Miguel Relvas. A sua fama
de rapaz talentoso para contornar as regras e as leis em benefício próprio vem
de longe. Começou tão cedo - ainda nem 30 anos tinha quando se envolveu no caso
das "viagens fantasma" -, que o seu currículo de aldrabices está
largamente documentado.
Não, o primeiro-ministro, que anda pelo PSD há muitos anos
e conheceu bem a fauna jotinha do seu partido (Passos foi presidente da JSD já
Relvas tinha sido seu secretário-geral), sabia muitíssimo bem quem era o
seu ministro. Sempre soube. Não o escolheu como seu aliado para ganhar o
partido pelas suas capacidades políticas ou intelectuais. Escolheu-o pelo seu
talento em mexer-se na lama. E depois meteu-o no governo, com um poder quase
absoluto sobre os restantes ministros, sobretudo nas pastas onde possa haver
bons negócios.
Ontem, o reitor da Universidade Lusófona demitiu-se. Fez
bem. Assumiu as responsabilidades de um processo de tal forma estapafúrdio que
estava a transformar a sua universidade numa anedota nacional. É curioso
que uma universidade privada se preocupe mais com a sua imagem do que um
governo. Ainda mais, um governo que exige aos portugueses tantos sacrifícios.
Por estes dias, Passos Coelho não descobriu nada sobre o
carácter de Relvas que não soubesse há muito tempo. Ainda assim, seria de
esperar que se preocupasse com as aparências. Restam três justificações
possíveis para Passos Coelho não demitir imediatamente tão incómodo
ministro: tem medo de o ver à solta, depende dele para manter a fidelidade
da mafia do partido ou nada disto o choca porque, na realidade, só
aparentemente são diferentes um do outro.
Seja como for, Miguel Relvas é hoje o calcanhar de Aquiles de
Passos Coelho. E é bem-feita. Ele sabia bem com quem se estava a
meter. Quem chega mais alto às cavalitas de um coxo deve estar preparado
para cair com ele. Por mim, acho excelente que Relvas se mantenha no
governo. Na sua exuberância, é uma excelente montra da natureza ética de
um governo que vive dos negócios e para os negócios.
Publicado no Expresso Online
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