O Governo, o PSD e o CDS, e todos
os apoiantes do “ajustamento” na versão troika-Gaspar-Passos, obtiveram
uma importante vitória política ao levarem o PS a assinar um acordo a pretexto
do IRC. Foi um dia grande. “Rejubilai”, dizem os anjos do “ajustamento”. Dizem
bem. (…)
O acordo foi um acordo político
de fundo que amarra o PS a sistemáticas pressões governamentais e outras, para
que passe a ser parte do “consenso” que legitime a actual política. O que está
em causa é algo que seria, se as classificações ideológicas tivessem alguma
correspondência com a realidade, inaceitável por um partido socialista, como o
é para um social-democrata, moderado que seja. O sentido de fundo do
“ajustamento” está muito para além do resolver os problemas mais imediatos do
défice ou da dívida, mas traduz-se numa significativa alteração das relações
sociais a favor dos senhores da economia financeira, em detrimento daquilo que
a maioria da população, classe média e trabalhadores, remediados e pobres,
tinham conseguido nos últimos 40 anos. (…)
No passado podia haver
pobres, estes tinham, porém, a possibilidade de ter uma dinâmica social e
política para saírem da pobreza, uma capacidade de inverterem as relações
sociais que lhes eram desfavoráveis. Eram pobres, mas não estavam condenados à
pobreza. Era isso a que se chamava “a melhoria social”, num contexto de
mobilidade e num contrato social que permitia haver adquiridos. Agora tudo isso
aparece como um esbanjamento inaceitável, e o que hoje se pretende é que os
pobres, cada vez mais engrossados pela antiga classe média, sejam condenados à
sua condição de pobreza em nome de uma crítica moral ao facto de “viverem acima
das suas posses”, perdendo ou tornando inútil os instrumentos que tinham para a
sua ascensão social, a começar pela educação, pela casa própria, e a acabar nas
manifestações e protestos cívicos, as greves e outras formas de resistência
social. É um conflito de poder social que atravessa toda a sociedade e que se
trava também nas ideias e nas palavras, em que a comunicação social é um palco
determinante, com a manipulação das notícias, a substituição da informação pelo
marketing e pela propaganda. E o PS escolheu estar ao lado dos “ajustadores”. (…)
Pode-se argumentar que a
“cedência” do PS permitiu algum alívio às pequenas e médias empresas, e que por
isso há um ganho de causa. Talvez, e isso seria bom, se fosse apenas isso. Mas
o que o PS cedeu é muito mais do que isso: é um contributo decisivo para manter
a actual política em tudo o que é fundamental, a começar pela prioridade do
alívio às empresas e aos negócios em detrimento das pessoas e do consumo. O PS
enfileirou no núcleo duro do discurso governamental, mais sensível às empresas
do que às pessoas, aceitando que, a haver abaixamento dos impostos, ele deve
começar pelas empresas e não pelos indivíduos e as famílias, pelo IRC e não
pelo IRS e pelo IVA. (…)
JOSÉ PACHECO PEREIRA. 28.12.13.
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